Este texto, escrito por Ícaro Vilaça e Paula Constante, integra uma série de artigos a respeito das principais experiências desenvolvidas pela assessoria técnica USINA CTAH, que completa 25 anos no dia 06 de junho de 2015. Publicaremos até a data dois artigos semanais que contarão, a partir da perspectiva de alguns projetos selecionados, a história do grupo.
Quando, no início de 1990, a partir de um projeto elaborado pela USINA, a Associação Terra é Nossa iniciou as obras de suas 520 casas em Osasco (SP), a notícia rapidamente correu a cidade. As lideranças do Terra é Nossa perceberam a enorme carência de moradia na região e resolveram promover um cadastramento de famílias para a constituição de um novo grupo de sem-teto. Por um barracão instalado no meio do canteiro do Terra é Nossa passaram, só na primeira semana, cerca de 10 mil famílias.
Inicialmente, pretendia-se fundar uma cooperativa de habitação nos moldes do modelo uruguaio – foi daí que surgiu o termo "COPROMO - Cooperativa Pró Moradia de Osasco". No entanto, o complexo processo burocrático que estrangulava as cooperativas naquele momento acabou levando o grupo a se constituir como uma associação comunitária.
Logo após o cadastro, parte das famílias que integrariam a associação resolveu ocupar uma terra ociosa ao lado do Terra é Nossa, no bairro do Jardim Piratininga, e construíram um barracão para sediar a nova entidade – batizada como "COPROMO - Associação Pró Moradia de Osasco" e fundada em janeiro de 1990 com assessoria da USINA. Nos anos seguintes, as famílias que integravam a Associação lutaram e conquistaram a gleba vizinha à área do Terra é Nossa, com aproximadamente 54.000 m2 – suficientes para o assentamento de 1.000 famílias.
Quando o projeto do COPROMO começou a ser desenvolvido, em 1991, a USINA também acompanhava as obras do Mutirão Cazuza, em Diadema (SP), cujo projeto compreendia um conjunto formado por 184 casas sobrepostas e seis edifícios de quatro pavimentos.
O projeto do Cazuza ‒ que havia sido elaborado inicialmente pelos técnicos da Prefeitura de Diadema ‒ foi reformulado pelos arquitetos da USINA para que pudesse ser construído por meio de ajuda mútua. Para tanto, o sistema construtivo foi completamente repensado, substituindo os blocos de concreto inicialmente previstos por blocos cerâmicos portantes (nas casas sobrepostas) e autoportantes (nos edifícios). Estes blocos, de resistência elevada, dispensavam a execução de estruturas verticais, o que viabilizava a construção por mutirão, visto que a maioria das pessoas que participariam das obras não tinha familiaridade com a construção civil.
A experiência do Cazuza foi pioneira no Brasil, pois provou que os mutirões poderiam construir edifícios de vários pavimentos ‒ e não apenas casas térreas, como se imaginava até então. Com isso, os arquitetos da USINA se sentiram seguros para propor que o COPROMO também fosse construído em altura, fazendo frente ao desafio de assentar um número tão elevado de famílias.
Partindo das expectativas dos futuros moradores ‒ a maioria desejava um apartamento espaçoso de dois quartos ‒, o projeto do COPROMO foi pensado a partir da planta da unidade habitacional. À solicitação das famílias, se somaram outros fatores que contribuíram para a definição do desenho arquitetônico, tais como: o sistema construtivo que seria adotado, em alvenaria de blocos estruturais cerâmicos; a lógica de produção por ajuda mútua ‒ que exigia a simplificação e a padronização de elementos construtivos e das soluções adotadas; e, naturalmente, a legislação de uso e ocupação do solo e o código de obras do município.
Partindo da menor unidade construtiva ‒ o bloco cerâmico ‒, os arquitetos definiram uma modulação que resultou numa planta composta por quatro módulos de 3,75 x 3,75 m que se articulam em torno de um módulo de circulação de 1,25 x 1,25 m. O resultado é um apartamento de dois quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço com cerca de 54 m2 de área útil. O edifício, por sua vez, resulta da aglomeração de quatro unidades habitacionais idênticas dispostas em cinco pavimentos, articuladas em torno da circulação vertical.
Por meio do projeto do COPROMO, a USINA adotou uma solução inovadora no contexto dos mutirões autogeridos: a utilização da escada em estrutura metálica independente, montada logo após a execução das fundações.
Esta opção de projeto tem diversas razões. A mais importante é a segurança que oferece aos mutirantes, que podem se movimentar e transportar materiais sem correr riscos em andaimes improvisados. Ao mesmo tempo, as escadas serviam de prumo para as alvenarias erguidas à sua volta e de suporte para a elevação de materiais até os pavimentos superiores. Com a escada instalada antes da execução das alvenarias, também se evitava os atrasos ‒ frequentes nas obras do Mutirão Cazuza, por exemplo ‒ causados pela demorada execução das escadas em concreto.
Em seu livro "Arquitetura Nova", o arquiteto Pedro Fiori Arantes defende que as escadas em estrutura metálica do COPROMO eram a demonstração de que "os movimentos de moradia e seus arquitetos não estavam dispostos a simplesmente reproduzir 'precariedades', mas, ao contrário, concentravam seus esforços à procura de soluções modernas, utilizando ao máximo possível os meios técnicos da civilização contemporânea" (ARANTES, 2002: p. 218).
Enquanto se arrastavam as negociações de financiamento junto à Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) – cujos técnicos resistiam à utilização dos blocos estruturais cerâmicos – um grupo de 300 famílias resolveu que poderia se autofinanciar. Graças a estas famílias – que passaram a ser conhecidas como "grupo dos por conta" – o COPROMO dá início à construção de seus primeiros edifícios em 1992.
Durante a construção do COPROMO, a opção pela escada metálica alcançou um novo sentido quando os mutirantes decidiram montar uma serralheria e produzir suas próprias escadas – antes fabricadas e montadas por uma empresa especializada. Esse episódio acabou servindo como exemplo das potencialidades das relações autônomas com os processos de produção defendidas naquele momento.
Os arquitetos da USINA prestaram assessoria direta na obra apenas durante o primeiro ano da construção do conjunto, acompanhando a produção das primeiras unidades financiadas pelos próprios moradores. Depois, compareciam apenas em reuniões periódicas.
Apenas em 1994 – quando os edifícios construídos pelo grupo dos "por conta" já estavam praticamente prontos –, saiu a primeira parcela do financiamento da CDHU, referente a outros 160 apartamentos. A segunda parcela do financiamento – referente aos 540 apartamentos restantes – só foi liberada em 1996.
A construção do conjunto só seria concluída em 1998, totalizando 50 edifícios, que juntos somam 1.000 unidades habitacionais. A ocupação dos apartamentos foi realizada a partir dos laços sociais estabelecidos ao longo do processo de construção. Para tanto, foram feitos sorteios em blocos, considerando grupos de vizinhança – as quatro famílias que ocupariam cada andar –, definidos pelos próprios moradores.
Localizado no encontro de duas grandes avenidas na cidade de Osasco, o COPROMO está próximo a equipamentos como escolas, hospitais e centros de saúde.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANTES, Pedro Fiori. Arquitetura Nova: Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, de Artigas aos mutirões. São Paulo: Editora 34, 2002.
BARAVELLI, José Eduardo. O cooperativismo uruguaio na habitação social de São Paulo: das cooperativas FUCVAM à Associação de Moradia Unidos de Vila Nova Cachoeirinha. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo ‒ FAU USP, São Paulo, 2006.
CRUZ, Leandro de Sousa. Utopia e pragmatismo em cinco propostas de habitação de interesse social no Brasil (1992-2012). Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia ‒ PPGAU UFBA, Salvador, 2013.
NAVAZINAS, Vladimir. Arquitetura possível: os espaços comuns na habitação de interesse social em São Paulo. Dissertação de mestrado. Programa de Pós- Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo ‒ PGAU USP, São Paulo, 2007.
PETRELLA, Guilherme Moreira. Das fronteiras do conjunto ao conjunto das fronteiras: experiências comparadas de conjuntos habitacionais na região metropolitana de São Paulo. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo ‒ PGAU USP, São Paulo, 2009.
FICHA TÉCNICA DO PROJETO
Local:
- Jardim Piratininga, Osasco – SP
Linha do tempo:
- 1990 – Assessoria para a constituição da Associação
- 1991 a 1992 – Negociação/ Projeto
- 1992 a 1998 – Construção
Agente organizador:
- COPROMO - Associação Pró-Moradia de Osasco
Agente financiador:
- Terra (desapropriação): Prefeitura Municipal de Osasco;
- Projeto: Remunerado diretamente a partir de rateio entre as famílias;
- Construção: 320 unidades autofinanciadas e 680 unidades financiadas pela
- CDHU (Programa UMM)
Atividades desenvolvidas pela USINA:
- Assessoria para a constituição da associação em 1990;
- Assessoria na discussão e elaboração dos projetos;
- Apoio no encaminhamento dos processos de financiamento;
- Assessoria no encaminhamento dos processos de regularização fundiária;
- Organização atividades de canteiro e gestão da obra;
- Acompanhamento e fiscalização da obra de construção em mutirão e por autogestão das primeiras 160 unidades.
Escopo do projeto:
- Projeto de arquitetura, urbanismo e complementares para implantação de 50 edifícios de cinco pavimentos.
Equipe:
- Arquitetura e Urbanismo: Érica Diogo, Fernando Nociti, Gilberto M. Rizzi, Joana Barros, João Marcos de A. Lopes, João Augusto da Fonseca, José Corrêa do Prado, Mario Luís Braga, Vladimir Benincasa, Wagner Germano, Sérgio Mancini;
- Obra: Fernando Nociti, João Marcos de A. Lopes, Vladimir Benincasa, Wagner Germano;
- Fundações e Estrutura: Yopanan Rebello Trabalho;
- Social: Priscila Bocchi, Sandra Sawaia;
- Apoio Jurídico: Evangelina Pinho;
- Informática/ Audiovisual: José Renato Braga, Sérgio Mancini.
Principais interlocutores:
- Lideranças: Amaury, Aparecida, Didi (vereador), Eli, Francisco, Oswaldo;
- Mestre-de-obras: Wilton.
Tipo de canteiro:
- Mutirão autogerido com mão-de-obra assalariada complementar técnicas construtivas
- Alvenaria de blocos cerâmicos autoportantes e escadas em estrutura metálica independente
Famílias: 1.000